segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O jogo de xadrez na política

Cledilene A. P. Batista

Graduada em Letras e especialista em Filosofia pela UFMG

Muito recentemente adquiri uma mesinha de xadrez e a coloquei fixamente no centro da minha sala, para que eu e minha família pudéssemos jogar, já que fazia bastante tempo que não praticávamos este jogo. Em um dado momento, olhei para a mesa com as peças organizadamente dispostas sobre ela e comecei a pensar na história do xadrez, nos movimentos do jogo e como o xadrez nos traz lições para toda a vida. É certo que no xadrez, assim como na vida, todos os nossos movimentos, decisões e escolhas implicam obrigatoriamente em conseqüências. Prosseguindo na minha reflexão, comecei a pensar também se poderíamos estabelecer alguma relação do jogo de xadrez com a política, já que ambos têm em comum a astúcia, a elaboração de estratégias, a inteligência (ou a falta dela) e a disputa. Finalmente, fui indagando também se cada peça do xadrez teria um personagem correspondente na política, ou seja, se também teríamos no cenário político um bispo, dama, rei...

Para quem não teve ainda a oportunidade de jogar ou de, pelo menos, conhecer o jogo, vamos a uma breve descrição: O rei é a peça vital sob a qual se concentra todo o jogo; portanto, todas as outras peças trabalham em prol de sua proteção. O rei nada faz, nada decide, nada opina. Seu movimento é lento, limitado, não pode avançar mais do que uma casa por vez. Fica escondidinho atrás das outras peças, e localiza-se estrategicamente ao lado da dama que existe para protegê-lo. O bispo é outra peça importante no tabuleiro, e só realiza movimentos em diagonal para proteger o rei. Historicamente, o bispo representa o poder que a igreja tem sobre o Estado e a sociedade, pois desde os tempos medievais a igreja interferia na vida de todos e, principalmente, nas questões de política e de Estado. O bispo foi incluído como peça estratégica do jogo devido à grande importância que a igreja tinha nas decisões de governo. A torre é outra peça de grande valor no jogo, pois seu movimento é sempre em linha reta na vertical ou horizontal. A torre foi considerada como sendo de grande relevância devido ao fato de que, na época das grandes conquistas medievais, era a partir dela que os inimigos eram vistos e, dessa forma, as estratégias de defesa eram definidas. Assim, as torres, porque no jogo do xadrez há duas torres, uma em cada ponta do tabuleiro, representam o local onde se tem uma visão panorâmica dos possíveis inimigos. O cavalo realiza movimentos em “L” e, com isso, freqüentemente surpreende o adversário. É uma peça importante justamente por realizar um movimento que nenhuma outra peça faz. O peão é a peça mais abundante no tabuleiro (no total são 8 peões). Os peões têm movimentos limitados, apenas uma casa à frente e, por causa disso, é a peça de menor valor no sistema do jogo. Por fim, a dama é a peça mais poderosa do jogo justamente porque realiza o movimento de todas as outras peças do tabuleiro, exceto a do cavalo. É a dama quem mais protege o rei, já que pode matar qualquer outra peça do lado adversário sem ser facilmente capturada. A dama é a grande articuladora de todo o jogo e o rei se coloca sob sua proteção, pois sem a dama o rei se torna extremamente vulnerável a todos os perigos.

Será que há mesmo alguma semelhança entre o xadrez e a política?

Comecemos pelo rei. O nosso rei é deveras semelhante ao rei do tabuleiro, não decide, não opina, não tem liderança sob as demais peças e é totalmente dependente da proteção da dama. Por isso, é difícil enquadrá-lo numa situação de “xeque”; pelo contrário: para adquirir mais proteção, o rei libera “cheques” para aliados incluindo-se suas próprias peças. Ao lado do rei estão a dama e o bispo. O bispo procura dar conselhos e passar os princípios religiosos relevantes para governar a cidade, não admitindo que o rei aceite proteção de outras correntes religiosas nem de orixás. Caso o rei se envolva com outras correntes, terá sua proteção comprometida por parte do bispo. Os bispos são mais discretos e realizam apenas movimentos na diagonal. Entretanto, também socorrem o rei principalmente quando há “cheques”. A função do bispo na política, ao contrário do jogo, não se relaciona apenas aos dogmas religiosos, mas a qualquer súdito que realize o papel de aconselhar o rei nas possíveis decisões que ele deva tomar. A dama, por outro lado, é quem define o jogo, e decide se o rei será morto ou se sobreviverá, se a cidade será invadida, queimada e devastada pelos inimigos, ou não.

O cavalo é uma peça importante na política, assim como no tabuleiro de xadrez. Ele realiza movimentos que somente ele faz, representa a competência técnica que a dama, apesar de todo seu poder no tabuleiro, não possui. A estratégia do cavalo para proteger o rei não é a de dar conselhos, como no caso do bispo, mas sim oferecer sua competência técnica para que o rei se torne protegido das investidas dos invasores e, desta forma, cumpra o seu papel de cuidar dos seus súditos. No xadrez, todas as peças buscam trabalhar em harmonia para proteger o rei. Entretanto, se uma dada peça se move precipitadamente, sem conceber o trabalho de toda a equipe, pode ser que todo o reino pereça como conseqüência. Na política, o cenário também é assim, pois os movimentos dos bispos, torres, dama e peões, quando impensados, levam o reino à ruína. Devemos realçar, aqui, que o trabalho técnico do cavalo pode ser uma arma poderosíssima na mão do rei para impressionar e coibir os ataques do adversário, mas, para isso, o cavalo precisa da valiosa proteção e cobertura da dama. Em outras palavras, a dama, como o elemento mais poderoso do tabuleiro, deve ser a peça mais inteligente, desprendida e coletiva do grupo pois, caso contrário, todo o reino perecerá.

Por fim, falaremos do papel da torre na política. Nas guerras medievais, as torres eram lugares privilegiados de onde se podia ter uma visão panorâmica além do castelo e, a partir deste olhar privilegiado, podiam-se prever os futuros ataques dos inimigos. Na política, a função da torre é igualmente importante, pois sempre haverá pessoas com uma visão de águia dispostas a avisar o rei dos perigos vindouros. No entanto, o rei não costuma dar ouvidos aos inúmeros avisos de quem enxerga mais longe. Ao contrário disso, o rei comumente só tem ouvidos para a sua dama. E a dama, por sua vez, como grande aliada dos peões, faz com que estes se tornem, na prática, os grandes conselheiros do reino. Os peões, como já mencionado anteriormente, não têm a competência técnica do cavalo, a sabedoria do bispo e nem a visão de águia da torre, mas são tragicamente as peças mais ouvidas pela dama e pelo rei. Quem seriam os peões na política? Deixo a cargo do amigo leitor decidir.

Na política, é comum vermos os peões aconselhando o rei e a dama, derrubando cavalos, delatando bispos, desqualificando torres e diminuindo a importância das demais peças do tabuleiro. Andam juntos com o rei e a dama nas grandes caminhadas, e se posam de importantes por estarem à frente do batalhão. Entretanto, por serem peças de fácil manuseio e de poder crítico limitado, acabam sendo usados pela dama e pelo rei para as tarefas mais corriqueiras.

Até a próxima.